APUB SINDICATO DOS PROFESSORES DAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR DA BAHIA

De mãos dadas com a democracia, pela universidade e por direitos

Uma postagem mostra que o racismo (infelizmente) está mais vivo do que nunca

Uma postagem mostra que o racismo (infelizmente) está mais vivo do que nunca
Uma postagem mostra que o racismo (infelizmente) está mais vivo do que nunca

Recentemente, publicamos em nossas mídias uma matéria que informava que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2021 foi o mais branco e elitista desde 2009, tendo também a menor proporção de candidatos de baixa renda e o menor número total de inscritos dos últimos anos.

O texto informava que um dos motivos desta redução foi a escolha do presidente Jair Bolsonaro por retirar a isenção da taxa de inscrição para os estudantes que não fizeram a prova em 2020, auge da pandemia do novo Coronavírus. Sem isenção, os mais pobres foram prejudicados. E, como as pessoas negras constituem 75% da população pobre no país (resultado do que se chama ‘racismo estrutural’), o acesso ao Enem foi dificultado para elas.

A dificuldade de acesso dos pobres e negros à universidade pública deveria ser um tema, em pleno 2022, já de fácil compreensão. Mas, parte dos mais de 600 comentários postados abaixo da matéria no Facebook nos mostraram que não.

O racismo está presente, e encontrou no atual governo uma forma de expressão, como se fosse uma validação.

Por isso, no Brasil atual, muitas pessoas continuam insistindo em tentar disseminar a ideia de que o racismo não existe e não afeta o cotidiano de grupos específicos de pessoas: “é só se esforçar” e “todos somos seres humanos, somos iguais” são comentários replicados para reduzir (ou cancelar) o debate.

Ou seja, o racismo estrutural (uma discriminação racial enraizada na sociedade) se reflete neste pensamento e está mais vivo do que nunca. Aproveitaremos este espaço para trazer esta reflexão debatendo a partir de alguns dos comentários postados em nossas redes sociais (se você quiser conferir com seus próprios olhos – e se tiver estômago para isso –, acesse aqui e veja os comentários da postagem original).

Sim, todas as pessoas precisam ser tratadas como “seres humanos.” Ou seja, todas as pessoas devem ser tratadas com dignidade e com os direitos fundamentais assegurados. Mas esta não é a história da população negra no Brasil.

O país teve mais de 380 anos de escravidão e, quando ela foi abolida, não houve nenhum tipo de política que corrigisse o erro histórico de escravizar pessoas por causa da sua cor. Ou seja, os negros não foram inseridos nem no mercado de trabalho e nem na vida em sociedade. Continuaram sem terra e sem ocupações formais no mercado de trabalho. Portanto, permaneceram excluídos socialmente durante séculos.

E é desta linha de partida que cada pessoa da cor negra saiu para conseguir trabalhar, estudar, etc. Portanto, acreditar que a segregação não existe seria fingir que deixamos de lado os fatores sociais e históricos que continuam contribuindo para que o racismo se perpetue na sociedade.

Segundo o comentário, negros seriam analfabetos e, por isso, não fizeram o Enem…

Já para este outro usuário, negros não estudam. E teve muitas pessoas concordando com o comentário.

E segundo este comentário, as pessoas negras seriam todas socialistas e não estudam por causa de ambos os fatores (cor da pele e visão política). Aqui, há uma combinação entre uma visão racista e a paranoia infantilizada sobre socialismo/comunismo.

Além de generalizar a ideia de que pessoas negrasm não gostam de estudar (revalando no crime de racismo), este comentário traz a ideia falaciosa da meritocracia que é, em linhas gerais, um sistema de recompensa, promoção ou ascensão baseada exclusivamente no mérito pessoal. A ideia de que a sua posição social é consequência apenas dos seus atos.

Ignora, portanto, as condições sociais e históricas que marcam a sociedade brasileira e servem para impedir que um grupo de pessoas (que sofre o racismo) alcance as mesmas condições de vida que outros grupos. É um mito que serve à reprodução das desigualdades sociais e raciais.  Um discurso utilizado para legitimar que a culpa é de quem não atingiu o “sucesso”, e não de uma política opressora para grande parte da sociedade e repleta de privilégios para outra pequena e abastada parcela.

Pessoas que tiveram histórias marcadas por limitações econômicas e sociais (e que foram muito mais afetadas pela pandemia de Covid-19) terão as mesmas condições de disputar o acesso ao ensino superior que os herdeiros dos mais diversos privilégios (isso inclui estudar nas mais caras escolas do país)?  

“É só estudar”. Como se a realidade de estudantes das camadas mais pobres fosse a mesma dos filhos das elites que estudam em escolas caras, repletas de recursos tecnológicos, com ensino integral e atividades extracurriculares, por exemplo.

No ano anterior não havia aulas de matemática, português etc? Segundo essa visão, pessoas negras não estariam habilitadas nessas disciplinas.

Segundo estudos, pessoas negras utilizam mais o transporte público do que as não negras. Mas certamente não é por isso que o Enem 2021 teve a menor participação dessa parcela da população na história.

Esse comentário é típico de quem acredita na ideia de que existiria um tipo de ‘racismo reverso’, que afetaria grupos sociais que não sofrem discriminação.

Há muitos comentários do tipo ‘racismo reverso’, mas este foi além e ainda deu a entender que pessoas negras não acordam de madrugada para trabalhar e prover o sustento de suas famílias (sendo que estudos mostram que são elas que passam mais tempo no transporte público, a caminho do trabalho).

Este chegou a parabenizar o presidente por excluir pessoas negras de algumas profissões.

Vários estudos mostram que um dos principais objetivos das ações afirmativas é promover condições para que todos, na sociedade, possam competir em condições iguais. São medidas que governos e empresas implementam para recolocar negros e negros nas posições que teriam alcançado se não houvesse discriminação.

Existe uma dívida histórica com a população negra que sempre se viu desvalorizada e teve sua vida impactada pelo preconceito racial e por condições sociais muito mais limitantes do que outros grupos sociais, inclusive com muito mais dificuldade do acesso a uma educação de qualidade que proporcione condições para disputar vagas nas universidades públicas, por exemplo.

O comentário acima (assim como muitos outros), também resvala no crime de racismo, ao insinuar, de forma muito generalizada, que negros não se dedicam ao estudo e, por isso, não estariam ingressando nas universidades. Isso demonstra mais uma vez o racismo que permeia o pensamento de que brancos seriam mais inteligentes e esforçados e os negros seriam preguiçosos.

Além disso, ao usar o termo ‘vitimismo’, o comentário tenta minimizar a importância das lutas antirracistas e o sofrimento de quem precisa enfrentar o preconceito e a discriminação racial no cotidiano.

Jair Bolsonaro, antes mesmo de ser eleito presidente, se referia às políticas afirmativas como consequência do vitimismo. Portanto, não é coincidência que hoje esse discurso esteja mais presente do que há alguns anos.

Por que o racismo estrutural ainda existe?

É verdade que o racismo no Brasil nunca deixou de ser estrutural. Mas de uns anos para cá, pessoas racistas passaram a se achar encorajadas a expor seus pensamentos preconceituosos.

Eles estão se sentido legitimados (ou empoderados) porque o Brasil é comandado por um presidente que tem longo histórico de pronunciamentos e posicionamentos racistas, e que chegou até a comparar quilombolas com animais, quando usou o termo arroba, que é uma medida de massa (usada geralmente para medir bois) para se referir a pessoas que vivem nos quilombos.

O que Bolsonaro e aqueles que desejam perpetuar o racismo estrutural em nosso país querem é que as pessoas esqueçam que ele impacta toda a vida de quem sofre com o preconceito e com a injustiça apenas por causa da cor de sua pele.

Eles não querem que as pessoas entendam que existem obstáculos muito maiores que pessoas negras terão que enfrentar, e que as oportunidades, geralmente, são desiguais. Isso começa desde o nascimento, passa pela idade escolar e segue por toda a vida.

E fingir que o racismo não existe é um dos principais mecanismos para fazer com que ele continue existindo.

Enquanto sociedade, precisamos dar um passo além. Esse tipo de doença social precisa ser extinta definitivamente, inclusive para que ninguém mais se aproveite disso para conquistar seguidores e votos.

Fonte: APUB

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