APUB SINDICATO DOS PROFESSORES DAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR DA BAHIA

De mãos dadas com a democracia, pela universidade e por direitos

Isso é o que acontece quando um governo para de financiar a ciência

Escrito por Katherine Ellen Foley da Quartz

Fernanda De Felice, uma bioquímica estudando o Mal de Alzheimer na Universidade Federal do Rio de Janeiro, nunca quis se mudar para o Canadá. Mas, por causa de cortes no orçamento da sua fonte primária de financiamento, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), ela não tem outra opção. “Ficar no Brasil significaria o fim da minha carreira”, disse à [revista] Science. Ela está fazendo as malas para ir para a Queen´s University, em Kingston, em Março.

A história de De Felice não é única no Brasil. O financiamento federal para pesquisa vem caindo nos últimos anos e a FAPERJ está falida: nos dois últimos anos, ela deixou de financiar quase 3.700 projetos e deve algo próximo a 150 milhões de dólares prometidos a cientistas. Outra agência estatal de financiamento, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, também está ficando sem dinheiro; um dos laboratórios sustentados por ela teve os telefones cortados por falta de pagamento das contas. Apesar dos governadores terem prometido mais dinheiro para essas fundações, seus orçamentos caíram em 2015 e 2016.

“Nós temos que ser honestos e dizer [aos cientistas] que eles devem ir embora se puderem”, disse Suzana Herculano-Houzel, uma neurocientista brasileira, realocada na Universidade Vanderbilt, no Tennessee, em Maio de 2016 à Science.

Nem sempre é ruim quando cientistas deixam seus países por outros. O próprio Brasil se beneficiou de um projeto chamado “Ciência sem fronteiras”, que enviava estudantes para fora do país com a promessa de seu retorno. Mas quando os cientistas vão embora permanentemente, a pesquisa pode diminuir. Laboratórios sem pessoal adequado apenas não têm condições de fazer tantos experimentos, o que torna mais difícil conseguir novos financiamentos e atrair novos membros. Além disso, pode haver menos cientistas capacitados nas universidades, que irão trabalhar para seus governos ou para a indústria nacional.

Histórias sobre o Brasil perdendo seus “cérebros” soam terrivelmente como o futuro nos Estados Unidos, numa época na qual o destino da ciência parece incerto sob o presidente Donald Trump. Em seus primeiros dias, ele proibiu funcionários da US Environmental Protection Agency (Agência de Proteção do Meio Ambiente dos Estados Unidos) de se comunicar com o público ou com a imprensa, e tem planos para negar a existência das mudanças climáticas (sim, elas existem) eliminando alguns sites governamentais. O congelamento de contratações do seu governo vai eliminar postos para cientistas e engenheiros, e seu escolhido para liderar a comissão de vacinação segura, acredita que vacinas podem causar autismo (elas não podem).

Até agora, Trump ainda não lançou um pedido oficial de orçamento federal. Mas, como reporta [o jornal] The Hills, seu gabinete está trabalhando em uma proposta de orçamento que poderia eliminar completamente o financiamento do Departamento de Energia (DOE), dos gabinetes de Eficiência energética e energias renováveis, eletricidade, combustíveis fósseis e do Departamento do estado (DOS) para cumprir os compromissos firmados com o Acordo de Paris e com o Painel Internacional em Mudanças Climáticas. Baseado em orçamentos anteriores, esses departamentos estiveram ocupados: em 2016, o DOE gastou $ 3.107.194,000 em seus programas e o DOS solicitou $ 310,3 milhões no orçamento de 2017 para apoiar o Acordo de Paris de 2015.

Embora eles talvez não deixem os Estados Unidos agora, alguns cientistas estão ficando politicamente engajados. Em 24 de janeiro, cientistas começaram a organizar uma marcha em Washington para protestar contra políticas que negam fatos científicos e, da noite para o dia, ganharam milhares de membros em um grupo no Facebook. Outros, estão considerando se candidatar, apesar da falta de experiência política. A organização “314action” (nomeada em homenagem aos três primeiros dígitos de pi) está ajudando cientistas a se candidatarem oferecendo assessoria de campanha e promovendo contato com doadores. De acordo com [o jornal] The Atlantic, em duas semanas, mais de 400 cientistas preencheram um formulário do site da “314action” solicitando ajuda da organização.

A ciência não existe em uma bolha nacional: é um campo global marcado pela colaboração entre universidades e grupos internacionais, trabalhando em prol de desvendar dados e fazer descobertas que irão beneficiar o planeta. Embora ela seja protegida pelo fato de que pode ser praticada em qualquer lugar com os recursos adequados, uma coisa é certa: quando cientistas têm que deixar seus laboratórios para lutar uma guerra política pela ciência – seja ela na forma de ataques ideológicos ou de financiamento – eles não estão nos trazendo soluções para mudanças climáticas ou realizando uma medicina capaz de salvar vidas.

*Tradução Livre*

 

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