APUB SINDICATO DOS PROFESSORES DAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR DA BAHIA

De mãos dadas com a democracia, pela universidade e por direitos

Extremistas tentam aprovar a “educação domiciliar”. O que está realmente por trás dessa proposta?

Em meio ao crítico momento pelo qual passa o Brasil, com mais de 500 mil mortes decorrente da Covid-19, o Governo Federal e sua base de apoio insistem em desviar o foco e levar adiante pautas para manter apoio de setores radicais da sociedade.

No dia 10 de junho, a maioria da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados deu parecer favorável ao Projeto de Lei (PL) 3262/2019, que insere um parágrafo no Código Penal para que os pais possam ofertar a modalidade de educação domiciliar (o chamado homeschooling) se que isso seja configurado crime de abandono intelectual.

Para ser efetivada, a proposta ainda precisa passar pelo plenário da Câmara e, depois, pelo Senado. Na CCJ, comandada pela deputada extremista Bia Kicis, a proposta foi aprovada com 35 votos favoráveis e 24 contrários.

Atualmente, deixar as crianças fora da escola é considerado crime de abandono intelectual pelo Código Penal brasileiro. A pena prevista é de detenção de 15 dias a um mês ou pagamento de multa para quem, sem justa causa, deixar de prover a instrução primária ao filho em idade escolar.

O PL tem “autoria” das deputadas federais Bia Kicis (PSL-DF), Chris Tonietto (PSL-RJ) e Caroline de Toni (PSL-SC), todas aliadas do presidente Jair Bolsonaro.

Isolamento

Afastar os estudantes do ambiente escolar é, entre outras coisas, uma porta aberta para a queda na qualidade de ensino e para o negacionismo científico.

Mas o que está por trás da proposta não é uma preocupação pedagógica ou intelectual (embora quem escreveu a argumentação do PL jure que os pais têm mais condições de prover uma educação integral do que os profissionais da educação). O objetivo é afastar estudantes do convívio e da situação permanente de interação com o outro, com alguém diferente, para que não tenham contato com outros tipos de conhecimentos, informações e conteúdos.

Não é à toa que a ideia repete o método de isolamento social e intelectual criado por grupos extremistas para manter seus apoiadores (e eleitores) dentro de bolhas de informação. Ali, confortavelmente, as pessoas são inseridas em universos onde as realidades são invertidas, o conhecimento científico é subjugado e as noções de civilidade são pormenorizadas.

Mesmo nas situações em que pais conseguissem ensinar os conteúdos, ainda assim não conseguiriam suprir a parte do aprendizado que pressupõe a relação cotidiana entre pares diferentes, e isso inclui o desenvolvimento da capacidade de argumentação, de ouvir opiniões diferentes, de ser capaz de criar formas de convencer o outro sobre suas perspectivas ou de ser convencido por argumentos mais sólidos, de entender a aplicação de regras que valem para todos e da importância da busca por consensos e das decisões em conjunto, e também do respeito às diferenças.

Negar tudo isso é reduzir o papel da educação a um mero mecanismo de recepção e retenção de conteúdos. Pode até funcionar para passar em um vestibular, mas criará obstáculos gigantescos à uma vida adulta onde o conforto e a proteção do isolamento na infância e na adolescência não são suficientes para promover um convívio sadio em uma sociedade que é, inerentemente, um espaço de conflitos constantes que precisam ser resolvidos.

“Proteger” de quê?

Por estarem envolvidos em bolhas de fake news criadas por extremistas (que agem motivados por objetivos meramente econômicos ou políticos), muitos pais acreditam genuinamente nas paranoias publicadas sobre a educação, como se escolas e universidades fossem ambientes perigosos para seus filhos.

Em vez de valorizar o papel de profissionais da educação, como ocorre na maioria dos países desenvolvidos, esse sistema de distribuição de fake news tenta transformar professores em “inimigos das famílias”.

E há um certo componente de crueldade nas intenções de alguns grupos sociais. É preciso lembrar que, diariamente, centenas de casos de abusos sexuais contra crianças e adolescentes são notificados ao Ministério da Saúde. Oficialmente, foram 32 mil casos em 2018, mas, segundo especialistas na área, menos de 10% dos casos são levados às autoridades. Estima-se que os números reais passem de 500 mil por ano, sendo que entre 70% e 80% dos casos ocorreram nas casas das próprias vítimas e entre 60% e 80% dos agressores eram pessoas próximas (pais, mães, irmãos, parentes, amigos, namorados, cônjuges ou conhecidos).

Isolar crianças e adolescentes do convívio escolar vai contribuir para que esse tipo de violência aumente ainda mais e dados recentes nos dão fortes indícios. Por exemplo, por causa do necessário isolamento social para conter a pandemia de Covid-19, em algumas regiões do país houve aumento de até 1.100% nas notificações de agressões e abusos sexuais contra crianças.

Isso não significa, obviamente, que as famílias são naturalmente perigosas. Mas prova que retirar estudantes do espaço escolar, em vez de protegê-los contra inimigos imaginários, irá reduzir as suas chances de aprender a se defender, a ter voz e, até, dos limites e do respeito que deve prevalecer nas relações humanas.

O que desejam, de verdade, os defensores do projeto?

Novamente, não se trata de um debate de fundo sobre qualidade de educação. A argumentação de quem escreveu o PL não indica nada nesse sentido e as experiências dos países mais desenvolvidos provam que a educação (que não é considerada apenas um meio de embutir matérias), especialmente a pública e universal, quando tem sua qualidade garantida pelo Estado, é fator essencial para o crescimento intelectual, humano e social dos cidadãos. Todo o país ganha com isso.

É importante observar que os apoiadores do projeto são justamente os setores extremistas contrários à ideia da promoção do bem-estar coletivo ou de qualquer ideia que contribua para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Trata-se, principalmente, de criar um isolamento para garantir que uma parcela da sociedade continue inserida em um determinado projeto de sociedade baseado nas mentiras, na distorção das verdades históricas e na negação da ciência, mesmo que isso forme pessoas que acreditam em sandices como a teoria de que Terra é plana ou que os achocolatados vendidos em mercados vêm de vacas que comem chocolate na ração.

Também não é coincidência que os apoiadores sejam representantes de grupo que desejam que tudo fique como está poque é vantajoso para eles manter o poder e o sistema econômico que lhes é favorável (em suma, que os que são ricos fiquem cada vez mais ricos, mesmo que os pobres continuem pobres).

O real perigo para esse grupo é que as próximas gerações cresçam com um pensamento crítico, questionador e que desejem mudar a realidade do país. Essa é a verdadeira “ameaça”.

O que podemos fazer a respeito? Que tal começando a desmascarar aqueles que apoiam este projeto por interesses meramente mesquinhos e egoístas? Repasse este texto, faça circular e ajude a chegar nos deputados e senadores que irão decidir sobre a proposta. Afinal, vai que alguns deles caíram no “canto da sereia” e não estão conseguindo enxergar o que realmente está em jogo.

Fonte: APUB

Facebook
Twitter
Email
WhatsApp