APUB SINDICATO DOS PROFESSORES DAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR DA BAHIA

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ENTREVISTA| “É um grave erro olhar somente o lado das despesas”, afirma Ana Georgina Dias sobre PEC 186

Em entrevista à Apub, a Supervisora Técnica do DIEESE-BA detalha as consequências da aprovação da medida e explica porque ela não soluciona problemas fiscais do Brasil

A chamada PEC “Emergencial” 186 ou, mais adequadamente, a “PEC da Chantagem” foi promulgada no dia 15 de março. A, agora, Emenda Constitucional 109, foi vinculada ao retorno do pagamento do Auxílio Emergencial durante a pandemia de covid-19. O que o texto faz, no entanto, é limitar o valor do Auxílio ao introduzir duras medidas de ajuste fiscal que já antecipam a Reforma Administrativa (PEC 32, ainda em tramitação). Entre elas, a possibilidade de congelamento salarial para servidores e servidoras da União, Estados e municípios sempre que a relação entre despesas e receitas atingir 95%. Para a União, esse impedimento vigora até 2036, último ano de vigência da Emenda 95 do teto de gastos – mais uma evidência da forma como todas essas medidas fazem parte de um projeto profundo de destruição dos serviços públicos. Para falar sobre essas questões, a APUB convidou a Supervisora Técnica do DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, regional Bahia.

APUB: O que é a PEC 186? Ela era necessária para a retomada do pagamento do auxílio emergencial?

ANA: A PEC 186, agora Emenda Constitucional 109  (EC 109) após sua promulgação no dia 15/03, é faz parte de um “pacote” de emendas constitucionais sugerido pelo Ministro da Economia e tem como objetivo impor medidas de controle do crescimento das despesas obrigatórias permanentes, no âmbito dos orçamentos fiscal e da Seguridade Social da União. Juntamente com ela foram apresentadas outras duas outras PECs denominadas de PEC dos Fundos (PEC 187) e PEC do Pacto Federativo (PEC 188). Esse conjunto de propostas formavam o que o Governo Federal chamou de Plano Brasil Mais, enviado ao Congresso em novembro de 2019.  De maneira geral, a EC 109 tem como objetivo reduzir gastos públicos sociais, adotando medidas como congelamento de salários, suspensão de concursos e limitação de investimento. Ações com potencial de causar o desmantelamento de políticas públicas estruturantes à sociedade brasileira, com consequências sociais inaceitáveis, quando se tem em conta o objetivo de desenvolvimento socioeconômico do país.

APUB: A PEC contém diversos mecanismos para o chamado ajuste fiscal.  Quais os pontos mais danosos, tanto para os servidores públicos, quanto para a sociedade em geral?

 ANA:  A EC 109 busca inverter a lógica constitucional, colocando os direitos sociais assegurados no Artigo 6º da Constituição Federal (CF) na dependência do equilíbrio fiscal e não como um direito irredutível, ou até como indutor de tal equilíbrio.  A tentativa de delimitação das receitas primárias (para realização de investimentos sociais) está presente na proposta de criação de um novo artigo para a CF, o Art. 167-A, que define que a despesas correntes não devem ser superiores a 95% das receitas correntes. Caso isso ocorra, o ente (União, estados, DF e municípios) e seus poderes poderão adotar, entre outras, as seguintes proibições:

– Reajustar salários, exceto quando por determinação judicial transitada em julgado;
-Criar cargos, empregos ou funções que aumentem as despesas;
-Alterar carreiras, caso isso resulte em aumento de despesas;
-Admitir ou contratar pessoal, salvo para reposições em cargos de chefia ou direção sem aumentar despesas, reposições em cargos efetivos ou vitalícios, contratações temporárias em casos excepcionais e as reposições de temporários para prestação de serviço militar e de alunos de órgãos de formação de militares;
-Realizar concursos públicos, exceto para reposição de vacância;
-Criar ou aumentar auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios, incluindo os indenizatórios, exceto quando derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior ao início da aplicação desta lei;
-Criar despesas obrigatórias;
-Aplicar medidas que aumentem despesas acima da inflação, exceto as relacionadas ao aumento do salário mínimo;
-Realizar progressão e promoção funcional em carreira de agentes públicos, sendo que o período em que essa medida estiver em vigor não será contabilizado para progressões futuras.


Ainda no Artigo 167-A, proposto pela EC 109, seu parágrafo primeiro propõe que tais medidas mencionadas acima possam ser tomadas pelo Poder Executivo, no todo ou de maneira parcial, a partir do momento em que as despesas ultrapassem 85% das receitas, no que poderá ser seguido pelos demais poderes. Limitar ainda mais o investimento em pessoal coloca em risco o bom andamento das políticas públicas sociais já bem aquém do necessário, devido à falta de investimento.

É um grave erro olhar somente o lado das despesas, enquanto se poderia considerar uma reforma que também analisasse as receitas. Por exemplo, a taxação dos super ricos e a diminuição da regressividade do sistema tributário, que penaliza proporcionalmente mais os contribuintes mais pobres. A dívida pública aumentou muito, no período recente, em função da significativa queda da arrecadação e em consequência da recessão, das renúncias fiscais e do aumento dos gastos com o pagamento dos juros e amortizações da dívida pública, que consomem praticamente a metade do orçamento federal, fato que pouco se discute. 

APUB: Como você avalia a mobilização das entidades em torno da votação da PEC na Câmara e no Senado? Alguns pontos críticos foram retirados do texto final?

ANA: A mobilização das entidades tem sido essencial para fazer o enfrentamento a todo esse cenário de desmonte e minimização do Estado. Mesmo com a necessidade de isolamento social imposto pela pandemia de Coronavírus e da impossibilidade de grandes manifestações de rua, as entidades sindicais e o movimento social têm conseguido alguns avanços, ainda que tímidos, diante dos desafios do cenário. A manutenção do Fundeb, a retirada (ainda que temporária) da MP 905 da pauta do Congresso, a retirada de alguns pontos importantes como a possibilidade de capitalização da Previdência da EC 103 e etc. Em relação à EC 109, algumas questões bastante danosas, especialmente para os servidores públicos, foram retiradas. O destaque vai para a retirada da possibilidade de redução de jornada e salários em até 25%, a retirada da vedação às promoções e progressões na carreira. Contudo, talvez a  maior vitória tenha sido a retirada do fim da vinculação de verbas para Educação e Saúde – ou seja, os pisos previstos na Constituição para os gastos nessas áreas fundamentais -, e a retirada do fim de fundos como o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), entre outras.

APUB: Como você avalia a relação da PEC 186 com a reforma administrativa? E com a Emenda Constitucional 95?

ANA: A EC 109/2021, assim como a PEC 32 (Reforma administrativa) e a EC 95, de maneira geral, busca limitar o investimento em políticas públicas sociais, assim como ampliar a “Regra de Ouro”, limitando ainda mais os gastos com despesas correntes e restringindo a capacidade do Estado de melhorar a qualidade do serviço prestado. O Brasil completa o quarto ano de crescimento insignificante, apesar de todas as reformas dos últimos anos – previdência, trabalhista, teto dos gastos – terem sido feitas e apresentadas como a solução para a retomada do crescimento econômico e do emprego. Todas fracassaram e a EC 109 é mais uma tentativa de redução do Estado, que vai na contramão da necessidade da população, principalmente neste contexto de pandemia, impondo um fardo enorme à maioria do povo e ao futuro da nação. Grande parte dos governos de outros países vem reorientando suas políticas econômicas, ampliando os gastos públicos para responder às necessidades trazidas pela pandemia. Assim, a política de austeridade foi substituída pela necessidade evidente de oferecer medidas contra cíclicas para superar a crise sanitária e minorar os efeitos da recessão mundial. Justamente o oposto do que propõe o governo brasileiro.

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